sábado, 2 de junho de 2012

O CONTROLE SOCIAL E A HIPERTROFIA PENAL

Desde que o ser humano passou a conviver com demais semelhantes, dentro de um determinado espaço comum, bem como com o surgimento da propriedade privada, quando um homem delimitou uma área de terra e disse a outro que aquilo lhe pertencia, e este passou a acreditar, aceitando isso, (ou seja, a figura da humanidade deixou de ser nômade, de ser isolada, e passou a se fixar e formar assim uma sociedade) regras e limites comportamentais individuais passaram a ser necessários para a harmonia nesse novo modelo de convívio. Seja de forma natural, embasados nos valores éticos, morais ou religiosos (teológicos), seja com o surgimento do Estado, pelo Direito Positivo, imposto pelo soberano, tendo atrelado a esse ordenamento uma sanção para quem o desobedece. As normas, em seu sentido amplo, são necessárias para garantir os limites e o respeito às propriedades e às particularidades dos indivíduos que convivem dentro de uma mesma sociedade. Por meio delas, principiadas em valores temporais comuns, o bem estar social se faz possível. Quando o indivíduo entende que ao respeita esse Contrato Social, ou seja, quando ele abre mão de fazer aquilo que deseja em detrimento ao “direito” do semelhante, e esse, retribui àquele com o mesmo tipo de comportamento, o Contrato se faz eficaz e a norma efetiva o equilíbrio e controle da sociedade por meio dos valores naturais. Porém, como idealizava o filosofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), autor da obra Leviatã (publicada em 1651), o homem traz em sua natureza a desigualdade e os instintos de conflito e interesses, fazendo com que nem todos aceitem, ou limitem, suas atitudes unicamente por meio de um contrato ético moral. Sendo então necessário o surgimento do Governo, do Estado soberano, legitimado a, não só definir regras sociais, mas a aplicar punições àqueles que não as cumprirem. Surge, superficialmente falando, o Direito Positivo, e esse direito, para adequar-se as demandas de uma sociedade dinâmica, é subdividido em ramos, como por exemplo, o Direito Civil, o Direito Comercial e até para regulamentar ações entre “pessoas” que não convivem em uma mesma sociedade, o Direito Internacional. Porém, é no Direito Penal, e em suas particularidades de punições, que se evidencia a mão forte do Estado, é nesse segmento do Direito que se legitimam o castigo e a correção daquele que atente contra as normas sociais penalmente protegidas. Sendo este indivíduo, pelo bem estar social, excluído, temporariamente, do convívio livre, a fim de ser reintegrado quando pronto para atender e respeitar os limites comportamentais impostos pelo Estado, pela sociedade. No Brasil, culturalmente (por resquícios), tem-se, ainda, a esperança no Direito Penal como uma panacéia, principalmente na figura de sua penalização mais severa, que é o encarceramento (a pena restritiva de liberdade), embora a maioria da sociedade não vislumbre as verdadeiras funções desta punição (e alguns daqueles que fazem parte do Sistema Judiciário aparentemente as ignorem). O intuito da pena de reclusão seria: (i) retirar do convívio social o indivíduo que não se adéqua as leis, para que, (ii) por meio do castigo da restrição de liberdade, seja coagido no indivíduo o respeito a regras, (iii) além da obrigação estatal de fornecer educação (escolar e social), capacitação profissional, para que o apenado possa retornar ao convívio social de forma ressocializada. Como bem explica o filosofo francês Michel Foucault (1926-1984), em sua obra Vigiar e Punir (1975), a duração da pena de prisão deve ser pelo tempo necessário à reintegração social do indivíduo que não deseje mais cometer crime ou crimes. O próprio Direito Penal, em seus princípios, procura não banalizar sua aplicação e penalização em excesso. Como por exemplo: no Principio da Intervenção Mínima, no qual se limita aplicação do Direito Penal apenas quando outro segmento do Direito não for eficaz na garantia de um determinado bem jurídico protegido. Outro principio que versa contra a criminalização excessiva é o Principio da Insignificância (bagatela), que também limita a ação penal unicamente àquela lesão que efetivamente seja significativa ao bem tutelado, ou seja, que cause realmente dano ao bem protegido. Como ultimo exemplo de limitações contra um Estado hipertrofiado penalmente temos o Principio da Dignidade da Pessoa Humana que, assim como o Principio da Insignificância, age diretamente sobre um dos elemento do crime. Este sobre o fato típico (sendo excluído na tipicidade material), aquele sobre a culpablidade, quando esta é excluída sobre a inexigibilidade de conduta diversa. Contudo, o Sistema Judiciário, como bem evidenciado no documentário Justiça (Brasil,2004), funciona de uma forma, se não aparentemente mecanizada, a supervalorizar o encarceramento. Antes essa punição fosse atribuída de forma isonômica, a justiça, desde sua estrutura de posicionamento na audiência, na verdade tende ao encarceramento de classes. O entrave entre o Ministério Público e a Defensoria Pública é feito de forma, não a fazer valer a justiça e o interesse social, mas a valorizar interesses particulares daqueles que os representam. Promotores de justiça objetivam conseguir o maior numero de condenações, e defensores buscam, em todas as brechas jurídicas legais, a soltura dos seus representados, mesmo evidenciado em muitos casos que este ainda é um deliquente em potencial. Como resultado temos um sistema carcerário super lotado, em péssimas condições (desumanas), num ambiente de improvável ressocialização e de surgimento e fortalecimento do espírito inimigo da sociedade. Ou seja, a pena de encarceramento penal no Brasil além de ser onerosa, é desigual, desumana e ineficaz. A sociedade critica, ou cobra, a criação de novas vagas no Sistema Prisional, levando como exemplo o modelo Norte Americano. Não levando em conta que, nos Estados Unidos da America, o custo em manter um individuo preso é tão significativo como o de manter um aluno estudando na Universidade de Harvard (PORTO, 2008), modelo inviável para as condições do Brasil. Outro fato a ser levado em conta é que nenhuma pesquisa, até então, demonstrou eficácia entre o aumento do encarceramento e a redução da violência. A hipertrofia penal, associada à crença da necessidade de punir para se fazer valer o contrato social mostrou-se, até a atualidade, como ineficaz e sem perspectivas reais de controle da violência. Em uma sociedade, deve-se primar pela implantação do trato social embasado na ética e na moral, isso com educação e redução das desigualdades sociais, ou aproximação dessas classes. Sendo necessária uma imposição punitiva do Estado, desde que o encarceramento sirva para que aquele, identificado por meio de um processo judicial com visão e compromisso na sua função social, seja informado, educado e reintegrado ao convívio social de modo a não cometer mais delitos.