sexta-feira, 2 de abril de 2010

Chaga Social (O Egresso e a Leishmaniose Tegumentar)


A leishmaniose tegumentar é uma zoonose (doença transmitida dos animais para os humanos, e vice versa) causada por protozoários flagelados do gênero Leishmania (no Brasil, é causada pela espécie Leishmania braziliensis).
Transmitida através da picada de um flebótomo (mosquito palha), a Leishmaniose tegumentar tem como principal sintoma o surgimento de feridas na pele que não se cicatrizam, formam a "casquinha" mas esta quando cai revela que a ferida não foi curada. Se a doença não for tratada devidamente, e a tempo, as feridas podem se aprofundar até os ossos. Este tipo de leishmaniose (existem no Brasil pelo menos outros dois, a visceral e a forma muco cutânea, que é o agravamento da tegumentar) é capaz de gerar danos que duram para o resto da vida da pessoa, mesmo após a cura.
Em muitos países, os egressos adquirem uma doença de efeitos e consequências semelhantes. Uma chaga social podendo ser definida como "expresidiárius". As feridas, por sorte, não são visíveis na pele, mas apresentam efeitos de difícil cura e muita dor.
Ao falar sobre a ressocialização, todos os três colegas da equipe (eu era o quarto, e solitário na opinião) mostraram-se descrédulos com o objetivo mor da pena de prisão no Brasil. E isto se propaga principalmente em meio aos que não vivenciam a realidade carcerária e são alimentados pela opinião de uma imprensa irresponsável, inconsequente e sensacionalista.
Ao ser considerado ex presidiário, o indivíduo passa a ser quase que perpetuamente excluído da sociedade. Com pontos negativos em qualquer disputa por emprego, só obtém uma reinclusão aqueles que dispõem de uma boa condição financeira, educacional e/ou o apoio incondicional da família. Do contrário, a única sociedade a receber-los de braços abertos é a sociedade criminosa, super valorizando sua estadia carcerária, como quem valoriza alguém que acabou de concluir uma especialização, e o fazendo aprofundar cada vez mais em sua chaga social, assim como a Leishmania na pele do seu portador.
A evolução da figura do egresso para a do reincidente apenas fortalece a tese dos colegas que não acreditam na recuperação do ser humano (ou de certos seres humanos, como alguns enfatizam).
Outra semelhança entre a Leishmania e o "expresidiarius" aparece em um jogo de palavras, enquanto uma é popularmente conhecida como Sarou Morreu, a outra, segundo uma opinião aparentemente majoritária da sociedade, aparece com a nomenclatura de Morreu Sarou.